Mais uma vez os soteropolitanos me surpreenderam. Pensava que, com a Copa do Mundo em andamento, e a ameaça de chuva que pairava sobre a cidade, na última quinta-feira, quando a procissão de “Corpus Christi” seria realizada pela 465ª vez, teríamos a participação de um reduzido número de pessoas. No final, fiquei até com a impressão de que os fatores que julgava negativos acabaram servindo de incentivo para o comparecimento de uma verdadeira multidão ao centro histórico da cidade. Impressionaram-me a piedade com que todos acompanharam o carro com o Santíssimo, a alegria expressa pelos cantos e orações e o entusiasmo que transbordava do coração de jovens, adultos e idosos.
Da reflexão que fiz na celebração eucarística, destaco três perguntas, que eu próprio procurei responder:
1ª pergunta: O que Jesus Eucarístico nos oferece? Ele nos oferece um caminho de vida e de espiritualidade. Lemos no livro do Deuteronômio: “Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor teu Deus te conduziu” (Dt 8,2). ParaMoisés, a peregrinação dos hebreus pelo deserto, ao longo de quarenta anos, serviu para o Senhor por seu povo à prova, saber o que tinha no coração e se observaria ou não os mandamentos divinos. Essa longa travessia tornou-se uma referência para todos que viveram no Antigo Testamento. Pouco a pouco, o povo escolhido foi tomando consciência de que a causa de sua desgastante e a cansativa peregrinação foi o esquecimento de Deus. Quando o Senhor é esquecido, multiplicam-se, imediatamente, bezerros de ouro, que passam a ser adorados.
Séculos depois, Jesus se apresentaria como “caminho” (“Eu sou o caminho…”). Nos Atos dos Apóstolos, por cinco vezes aparece essa palavra para expressar a projeto de vida apresentado por Jesus. Ser seu discípulo é seguir o Caminho. Atualmente, somos convidados a nos lembrar de que nas estradas que percorremos há “Alguém” que nos acompanha, mesmo que, como aconteceu com os discípulos de Emaús, sua presença não seja logo percebida.
Na Eucaristia, Jesus nos convida a nos unirmos a ele. Porque sabe que sozinhos não iremos longe, ele nos oferece “o pão descido do céu” (Jo 6,5). Ele próprio é esse pão. É um privilégio receber como alimento o próprio Filho de Deus – privilégio e graça. Afinal, só ele pode nos dar o perdão dos pecados, a salvação e a vida eterna. Desgraça suprema é viver eternamente longe de Deus.
2ª pergunta: O que Jesus eucarístico espera de nós? “Não te esqueças do Senhor teu Deus que te fez sair do Egito!”, lemos no Deuteronômio (8,14). Pecar é esquecer-se de Deus; é construir uma vida sem referência a Ele; é ignorar seus mandamentos; é seguir um caminho próprio. Em nossa época, mais e mais secularizada, pretende-se justamente isto: construir um mundo sem referência ao Criador.
A participação na Eucaristia exige de nós uma abertura para o outro: não podemos amar a Deus, que não vemos, se não amamos o irmão que está ao nosso lado. Somos chamados a buscar a unidade entre nós, pois o mesmo Cristo que nos alimenta e nos transforma, alimenta e transforma nossos irmãos: “Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo”(1Cor 10,17). Não podemos ficar indiferentes às divisões em nossa família e em nossas comunidades. Tais divisões nascem do egoísmo, do ciúme e do ódio ciosamente guardado nos corações. Quem recebe o Senhor deve viver segundo seus ensinamentos, acolher quem é amado por ele e ter sentimentos que ele possa ter em nós.
3ª pergunta: O que podemos oferecer a Jesus Sacramentado? Podemos lhe oferecer nossa acolhida: Jesus, esta cidade é tua. Entra na casa de cada filho e filha desta cidade; também na casa daqueles que não te conhecem e, por isso, não te amam! Somos chamados a lhe oferecer nosso coração: Jesus, meu coração é teu. É inconstante, é pobre, mas é o que tenho. Toma conta dele e transforma-o segundo o teu coração, manso e humilde! Mais do que tudo, devemos adorá-lo no Santíssimo Sacramento, unindo-nos a todos aqueles que, ao longo dos 465 anos da história desta cidade, o adoraram.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

LITURGIA DIÁRIA