Diante da nota do Conselho Federal de Medicina a respeito do aborto, o Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e A Família, dom João Carlos Petrini, declara:

1. Realmente, criam-se situações de drama humano quando uma mulher grávida é rejeitada pela família ou abandonada pelo pai da criança que está gestando e, enfrentando solitariamente uma situação difícil, fica desesperada e decide abortar clandestinamente. Isto constitui um problema de saúde pública que um Estado democrático deve enfrentar.

2. No entanto, é um equívoco pensar que a morte seja a solução. A civilização da qual nos beneficiamos foi construída apostando não na morte, mas na vitória sobre a morte. Por isso a Igreja criou hospitais, leprosários, casas para acolher deficientes físicos e psíquicos. Basta recordar, em época recente, a figura das bem aventuradas Madre Teresa de Calcutá e a nossa irmã Dulce dos pobres, sem esquecer as milhares de pessoas que quotidianamente se dedicam a defender e promover a dignidade humana.

3. Podem ser elaboradas políticas públicas que criem formas de amparo às mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade e de alto risco, podendo mobilizar a sociedade civil, pelo menos a parte mais sensível a este drama, de tal modo que cada mulher, mesmo em situações de grande fragilidade, possa dar à luz o seu bebê.

4. Esta hipótese não somente é melhor para a criança que é preservada da destruição, mas também para a mulher. De fato, dificilmente haverá alguma mulher que chegue a fazer o aborto exultando como de fosse uma grande conquista. Ela fica mais feliz quando consegue ter condições para levar a gravidez até o fim.

5. Parece que o Conselho Federal de Medicina não usou de modo pleno a razão, porque usar a racionalidade de forma plena significa levar em consideração todos os fatores que entram em jogo nas situações que se pretendem enfrentar.

6. Nesta noite, todas as famílias brasileiras estarão comentando estas questões. Penso às crianças de 9-10-11 anos e nos adolescentes que estarão olhando ora para o pai, ora para mãe, ora para a telinha que apresenta os argumentos. A mensagem que fica é inequívoca: quando alguém atrapalha, pode ser eliminado. Emite-se essa mensagem neste tempo em que os índices de violência são elevadíssimos. Afinal, a nota do Conselho não discute uma questão técnica, mas toca no coração da civilização e tem um elevado poder “educativo” ou melhor dizendo, dês-educativo. Não devemos ficar admirados quando uma mocinha mata os pais a pauladas porque estavam impedindo a realização do seu sonho de felicidade.

7. Foi dado o argumento da autonomia da mulher e dos médicos. O bebê foi completamente ignorado. No entanto, ele não é um amontoado de células sem maior significado. É um ser humano com uma identidade biológica própria e bem definida, dispõe de um código genético, o DNA que é dele, diferente do DNA da mãe. Por isso, está amparado no ventre materno, mão não constitui um pedaço do corpo da mãe, é um ser humano vivo com sua individualidade. Há uma grande convergência de geneticistas e biomédicos a esse respeito.

8. Um uso mais apropriado da razão não descartaria nenhum fator que entra em jogo nessa questão, reconhecendo os direitos do nascituro, o primeiro deles, o direito inviolável à vida.

9. Infelizmente chegamos mais uma vez à lei do mais forte: quem é mais forte determina o que é justo e, caso interesse, elimina o outro ser humano, no nosso caso, o embrião ou feto, o ser mais indefeso e inocente.

10. Realmente, o embrião ou feto não é culpado do mal estar da mulher que o concebeu e nem das situações de pobreza nas quais porventura ela se encontra. Condená-lo à morte é a maior injustiça.

11. Espero que os legisladores sejam capazes de considerar melhor todos os aspectos da questão em pauta e que seja possível um diálogo efetivo, com abertura para alargar o uso da razão. Deste modo, será possível legislar em favor do verdadeiro bem das mulheres e dos nascituros e se consolidará o estado democrático, republicano e laico, que tanto desejamos.

Dom João Carlos Petrini

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB

e Bispo de Camaçari – BA

LITURGIA DIÁRIA