Uma pergunta que é feita periodicamente é: A Igreja precisa se modernizar? Nem todos os que a fazem são concordes, contudo, quanto às dimensões dessa modernização ou, mesmo, quanto ao próprio sentido dessa palavra. Por isso, antes de dar uma resposta à essa pergunta, penso ser necessário responder a uma questão fundamental: Qual é a missão da Igreja?
Ao longo de sua pregação, Jesus deixou claro que sua mensagem não era apenas para o povo de Israel, mas que o dom que estava trazendo era destinado a todo o mundo e a todos os tempos. Após sua ressurreição, confiou essa missão aos apóstolos, que teriam a responsabilidade de fazer discípulos todos os povos. Para garantir que a salvação atingisse a todos, Jesus legou à Igreja o memorial da Páscoa, que deveria ser celebrado sem interrupção, até a sua vinda gloriosa (cf. 1Cor 11,26). Os apóstolos, contudo, eram limitados demais para concretizar tão altos sonhos. Jesus os tranquilizou, garantindo-lhes a assistência do Espírito Santo: ele é que atualizaria geográfica e cronologicamente a obra de salvação. O livro dos Atos dos Apóstolos testemunha como se deu, já nos primeiros tempos do cristianismo, a compenetração entre a ação do Espírito Santo, os enviados de Cristo e as primeiras comunidades que começavam a ser formadas. Essa atualização contínua da presença viva de Jesus no meio de seu povo tem o nome de Tradição.
Dito tudo isso de outra forma: a Igreja é portadora de um patrimônio que não é dela, mas de Cristo. Fazem parte desse patrimônio a Palavra de Deus, os sacramentos, especialmente a Eucaristia, a unidade em torno de Pedro e seus sucessores, os escritos dos Padres da Igreja (= teólogos dos primeiros séculos), os ensinamentos do Magistério, o testemunho dos santos e, particularmente, dos mártires, a devoção mariana, as escolas de oração etc.
Feitas essas colocações, volto à pergunta proposta: A Igreja precisa se modernizar? Não tenho dúvida em afirmar: sim, precisa. Ela deve descobrir meios adequados para transmitir a todos os homens e mulheres, de cada tempo e lugar, o patrimônio que recebeu. Do direito que tem cada ser humano de entrar em contato com a proposta de Jesus Cristo nasce o grave dever, da parte dos que já são seus discípulos missionários, de transmitir aos demais a graça que receberam. A garantia da ação do Espírito Santo na Igreja, longe de nos acomodar deve nos levar a ser criativos, inquietos e ousados. Afinal, os atuais meios de comunicação e tecnológicos, que nos permitem entrar no recinto privado das pessoas, especialmente em suas casas, onde de outro modo não conseguiríamos entrar, e atingir corações aos quais não teríamos acesso, são fruto da inteligência humana – inteligência que é dom do Criador. Usá-los, bem como utilizar tudo aquilo que o progresso técnico coloca à disposição dos cristãos, mais do que uma possibilidade é uma obrigação. Essa modernização não nos dispensará do essencial: a busca da santidade e o respeito aos valores que fazem parte do núcleo do patrimônio deixado por Jesus Cristo, como, por exemplo, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, a defesa da vida, desde sua concepção até o seu término natural, a indissolubilidade do matrimônio, a valorização da família etc.
Por fim, é importante ressaltar que, mais do que uma doutrina, somos chamados a anunciar uma Pessoa: Jesus de Nazaré, o Filho de Deus vivo, o Salvador, que morreu e ressuscitou e que, no final dos tempos, virá para julgar os vivos e os mortos. Conhecê-lo é uma graça; viver segundo ele viveu é uma possibilidade; anunciá-lo é um privilégio.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil

LITURGIA DIÁRIA